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terça-feira, 25 de abril de 2017

43 anos sobre o 25 de Abril

Pertenço à geração que, existindo quando se deu o 25 de abril, nunca esteve sobre a sua influência direta. 
Verdadeiramente, não posso dizer que vivi o regime salazarista. Tinha 3 anos, quando este ruiu. Nem posso dizer que conquistei a liberdade de abril.
A minha geração é a da Europa, do frenesim neo-liberal e do crescimento económico, do “milagre português”. Em 1986, ano de entrada de Portugal na CEE, tinha 15 anos. Os resgastes do FMI no início da década de 1980, o governo do bloco central, o PREC, a própria revolução de abril foram coisas que apenas alguns anos mais tarde tomei consciência. 

Somos reféns do 25 de abril.
São reféns, aqueles da esquerda, que lutaram pelos ideais de liberdade e de igualdade. E que 40 anos depois continuam a observar grandes desigualdades sociais e um alargamento do fosso entre ricos e pobres.
São reféns, aqueles da direita, que assistiram ao desmembramento do seu status quo e à tomada do poder por uma seita de libertatários alegadamente impreparados e embriagados pelas ideias da igualdade, solidariedade e justiça social. Direita que, paulatinamente e sob o abrigo do vil dinheiro, recuperou o seu poder.
São reféns todos os outros, os mesmos de sempre, esmagados, espezinhados, esquecidos, esmifrados, empobrecidos, pelas lutas de uma esquerda e de uma direita que apenas olham para o seu umbigo e que agitam a bandeira do 25 de abril como a mãe de todas as virtudes ou a madrasta dos grandes males.

O 25 de abril concretizar-se-á daqui a 20 anos. Talvez 40. Ou 50. Quando todos os que viveram o 25 de abril, a favor, ou contra, deixarem de existir (é esta a sina, a de um país sempre à espera da morte, à espera do futuro que desejamos mas não construímos). Quando aqueles que existirem, com o distanciamento emocional necessário, olharem para o 25 de abril como um marco histórico, uma mudança de direção no destino miserabilista do país, então o 25 de abril concretizar-se-á.

Há quem advogue que a grande conquista de abril foi a liberdade. Mas limitar Abril à liberdade é cercear essa mesma liberdade pela raiz, confiná-la a um espaço tão restrito que a mesma  fica aprisionada.
As grandes conquistas de abril foram o combate ao analfabetismo e a escolarização da população; foram o sistema nacional de saúde e a segurança social; foram a saúde pública, com a redução fantástica da mortalidade infantil, a água canalizada, o saneamento; foram a eletrificação de quase 100% dos lares da população portuguesa. Quase tudo heranças, imagine-se a ironia, do salazarismo.
As grandes conquistas de abril foram a modernização do país, a qualidade científica e tecnológica de algumas indústrias e das nossas gentes, daquelas que apostaram na inovação e na qualificação dos seus recursos humanos como fatores competitivos face ao exterior. E que continuam agrilhoados ao discurso miserabilista e limitado da competitividade pelos baixos salários e da desvalorização permanente do valor do trabalho. Para que possam continuar a encher os seus bolsos, numa versão vanguardista do esclavagismo.

Mas abril também foi derrotado.
Foi derrotado quando as elites políticas do Estado Novo foram substituídas pelos caciques profissionais dos partidos políticos, que misturam e confundem, sempre lesando o interesse público, os interesses do Estado com os seus interesses privados.
Foi derrotado, quando quando os interesses financeiros de alguns, ao abrigo do paraíso neoliberal anunciado, estrangularam o Estado, o bem-comum, o serviço público, em prol de contas bancárias recheadas, vidas faustosas e insultos públicos sobre o peso do Estado e de quem nele produz, satisfaz necessidades de outros e depende. E a fatura veio para todos pagarem. Exceto alguns.
Abril foi derrotado. Quando as promessas de liberdade, igualdade e justiça esbarraram com a realidade de que continuam a existir elites sociais e económicas. Quando as evidências nos mostram que as desigualdades de hoje são maiores que as desigualdades de há 60 anos.

Os meus pais cresceram num tempo em só os filhos dos ricos e abastados podiam estudar. São do tempo das elites sociais e dos filhos de “gente-bem”. São dos tempos dos afilhados e das cunhas. São do tempo em que o salto entre classes sociais era extraordinariamente difícil. São do tempo em que a condição de nascimento era quase uma sentença de morte, ou de sucesso.

43 anos depois do 25 de abril, qual é a diferença?

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