Crónica no Pataias à Letra, edição nº19, agosto 2022
O verão do nosso descontentamento
1 – A situação geográfica de Portugal continental, entre
outras particularidades, é responsável pelas caraterísticas climáticas do nosso
território: clima subtropical seco ou temperado mediterrânico. Por outras
palavras, usufruímos de invernos amenos e chuvosos e verões quentes e secos.
Neste particular, a estação seca carateriza-se por uma extensão entre os dois e
os seis meses. Outra particularidade deste clima é a irregularidade dos regimes
pluviométricos (a variação da precipitação ao longo do ano), sendo normal a
sucessão de invernos de chuvas abundantes e excessivas, seguidos de verões
anormalmente secos. Por outras palavras, as secas são normais, frequentes e
cíclicas.
Outro aspeto a considerar são as alterações climáticas. Estas,
não são algo para o futuro mas são uma realidade atual. Considerando as normais
climatológicas de 1960-1990 com as 1990-2020, constatam-se alterações
significativas nos regimes térmicos e pluviométricos. Resumindo: ao longo dos
últimos 30 anos o total da precipitação anual é menor; a precipitação ocorre
concentrada em curtos períodos temporais, muitas vezes de forma “excessiva”; os
períodos de seca são cada vez maiores e mais intensos; a temperatura média é
maior; os máximos e mínimos de temperatura mais extremados; as ondas de calor e
de frio ocorrem cada vez mais com maior frequência.
Ou seja, na realidade os critérios que levam à definição de
“Clima Subtropical Seco ou Temperado Mediterrânico” começam a não se verificar.
2 – A primeira consequência prática destas alterações
climáticas são o aumento e frequência dos fenómenos de seca (meteorológica,
hídrica e agrícola). A falta de água, quer para a agricultura, quer para o
consumo humano, é já uma realidade.
O primeiro passo para enfrentar este problema está
relacionado com a gestão da água, nomeadamente com a forma como a gastamos.
Cerca de 80% da água captada (barragens, furos, poços) destina-se à
agricultura. Dados oficiais indicam que cerca de 45% da água recolhida é
desperdiçada, muitas vezes no transporte entre a origem de armazenamento e os
pontos de consumo, ou seja, perde-se em fugas. Quarenta e cinco por cento!
É evidente que jardins com tapetes de relva, sistemas
agrícolas de regadio intensivo, a concentração de campos de golfe e o mau uso
individual deste recurso, contribuem para o agravamento da situação.
3 – Outro flagelo dos nossos verões são os incêndios
florestais. E aqui temos três fatores: o clima, com a existência regular de uma
estação seca muitas vezes prolongada no tempo e as ondas de calor cada vez mais
frequentes; as caraterísticas da floresta, extensamente dominada por regimes de
monocultura (nomeadamente o eucalipto e o pinheiro bravo); o fator humano
(comportamentos, cadastro, exploração).
As caraterísticas do clima potenciam e tornam inevitáveis a
ocorrência cíclica dos incêndios e dificilmente as poderemos controlar. A
solução será a adaptação às mesmas.
Essa adaptação passa, necessariamente, pela gestão do
território e isso implica: o combate à monocultura florestal e a necessária
diversificação de espécies; a identificação cadastral, associada a medidas como
o emparcelamento; mecanismos de gestão florestal integrada e associativa que
garantam ao mesmo tempo rendimento aos proprietários e mecanismos de proteção
da floresta (com sistemas de perequação); os recursos humanos
(profissionalização dos bombeiros).
Mas a este tema voltaremos mais tarde.