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segunda-feira, 15 de agosto de 2022

À pata aias

 Crónica no Pataias à Letra, edição nº19, agosto 2022


O verão do nosso descontentamento

 

1 – A situação geográfica de Portugal continental, entre outras particularidades, é responsável pelas caraterísticas climáticas do nosso território: clima subtropical seco ou temperado mediterrânico. Por outras palavras, usufruímos de invernos amenos e chuvosos e verões quentes e secos. Neste particular, a estação seca carateriza-se por uma extensão entre os dois e os seis meses. Outra particularidade deste clima é a irregularidade dos regimes pluviométricos (a variação da precipitação ao longo do ano), sendo normal a sucessão de invernos de chuvas abundantes e excessivas, seguidos de verões anormalmente secos. Por outras palavras, as secas são normais, frequentes e cíclicas.

Outro aspeto a considerar são as alterações climáticas. Estas, não são algo para o futuro mas são uma realidade atual. Considerando as normais climatológicas de 1960-1990 com as 1990-2020, constatam-se alterações significativas nos regimes térmicos e pluviométricos. Resumindo: ao longo dos últimos 30 anos o total da precipitação anual é menor; a precipitação ocorre concentrada em curtos períodos temporais, muitas vezes de forma “excessiva”; os períodos de seca são cada vez maiores e mais intensos; a temperatura média é maior; os máximos e mínimos de temperatura mais extremados; as ondas de calor e de frio ocorrem cada vez mais com maior frequência.

Ou seja, na realidade os critérios que levam à definição de “Clima Subtropical Seco ou Temperado Mediterrânico” começam a não se verificar.

2 – A primeira consequência prática destas alterações climáticas são o aumento e frequência dos fenómenos de seca (meteorológica, hídrica e agrícola). A falta de água, quer para a agricultura, quer para o consumo humano, é já uma realidade.

O primeiro passo para enfrentar este problema está relacionado com a gestão da água, nomeadamente com a forma como a gastamos. Cerca de 80% da água captada (barragens, furos, poços) destina-se à agricultura. Dados oficiais indicam que cerca de 45% da água recolhida é desperdiçada, muitas vezes no transporte entre a origem de armazenamento e os pontos de consumo, ou seja, perde-se em fugas. Quarenta e cinco por cento!

É evidente que jardins com tapetes de relva, sistemas agrícolas de regadio intensivo, a concentração de campos de golfe e o mau uso individual deste recurso, contribuem para o agravamento da situação.

3 – Outro flagelo dos nossos verões são os incêndios florestais. E aqui temos três fatores: o clima, com a existência regular de uma estação seca muitas vezes prolongada no tempo e as ondas de calor cada vez mais frequentes; as caraterísticas da floresta, extensamente dominada por regimes de monocultura (nomeadamente o eucalipto e o pinheiro bravo); o fator humano (comportamentos, cadastro, exploração).

As caraterísticas do clima potenciam e tornam inevitáveis a ocorrência cíclica dos incêndios e dificilmente as poderemos controlar. A solução será a adaptação às mesmas.

Essa adaptação passa, necessariamente, pela gestão do território e isso implica: o combate à monocultura florestal e a necessária diversificação de espécies; a identificação cadastral, associada a medidas como o emparcelamento; mecanismos de gestão florestal integrada e associativa que garantam ao mesmo tempo rendimento aos proprietários e mecanismos de proteção da floresta (com sistemas de perequação); os recursos humanos (profissionalização dos bombeiros).

Mas a este tema voltaremos mais tarde.

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