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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

À pata aias

 Crónica no Pataias à Letra, edição nº25, fevereiro 2023


O perfil

Hoje em dia, nesta sociedade marcada pelos valores tecnocráticos neoliberais é comum ouvir-se falar de perfis.

Alegadamente, a definição de um perfil para uma determinada função vai elencar, como hoje se diz, as competências essenciais à execução das tarefas necessárias da forma mais eficaz e eficiente.

A criação destes perfis está tão intricada na sociedade atual que ouvimos falar, por exemplo, do perfil do aluno à saída do ensino; do perfil dos professores para ocuparem um determinado lugar numa escola; do perfil de um gestor/ administrador para determinada empresa.

O problema dos perfis não está nos perfis em si, mas no que verdadeiramente queremos ou como o implementamos. Por exemplo, o perfil do aluno à saída da escolaridade cria um modelo ideal de cidadão no fim da adolescência. Na prática, muitos adultos de meia idade e com experiência de vida não desempenham de forma satisfatória aquilo que se pede aos jovens de hoje no fim da sua escolaridade obrigatória. Mas, por incrível que pareça, o que se exige à escola no seu processo de tomar conta de crianças, está a deixar alunos chegar ao fim da escolaridade a lerem e interpretarem cada vez pior, com mais dificuldades no raciocínio lógico-abstrato e com um sentimento de impunidade e desresponsabilização com níveis verdadeiramente assustadores. Mas o perfil até nem está mal.

Outro exemplo é a escolha de certos professores para certos lugares em certas escolas, querendo-se ignorar dois factos incontornáveis: a nota de formação (que certifica os conhecimentos e a competência científica) e o tempo de serviço (que certifica a experiência – muitas vezes feita em inúmeras escolas diferentes, com grupos de alunos diferentes, com objetivos diferentes e contextos socioeconómicos diferentes). É certo que cada professor é único e que alguns têm sucesso nuns contextos e insucesso noutros (e eu sei do que falo por experiência própria). Como definir esse perfil?

Há depois os gestores públicos (e os assessores políticos). Escolhidos para certas e determinadas empresas por terem o “perfil”. E depois, descobre-se, que afinal de contas “aquele” indivíduo veio da empresa A para a B, tendo saído da C depois de ter passado pela D e pela E. Um currículo inquestionável de experiência em empresas top. O que ninguém consegue explicar, depois, são os maus resultados de algumas dessas mesmas empresas enquanto “aquele” gestor por lá passou, ou, mais pertinente, como é que conseguiu, sem experiência e sem currículo, o primeiro lugar na empresa E. Mistérios…

Os perfis são, assim, dúbios. Por um lado podem ser usados, e bem, para desenhar um ideal, definir um conjunto de pressupostos que vão ajudar a encontrar alguém com a melhor capacidade de concretizar uma determinada tarefa. Por outro podem ser usados, e mal, para definir uma lista de atributos que, coincidência das coincidências, só se conseguem aplicar a uma determinada pessoa, mesmo que objetivamente não seja a mais capaz de desempenhar a função. Mas tem o perfil.

Os perfis não são o problema. O problema é a finalidade com que são definidos.

E por falar em perfis: como será o perfil para escolher os reis de carnaval? Serão perfis à governo socialista: primo, genro, irmão, filha?


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