Crónica no Pataias à Letra, edição nº25, fevereiro 2023
O perfil
Hoje em dia, nesta sociedade marcada pelos valores
tecnocráticos neoliberais é comum ouvir-se falar de perfis.
Alegadamente, a definição de um perfil para uma determinada
função vai elencar, como hoje se diz, as competências essenciais à execução das
tarefas necessárias da forma mais eficaz e eficiente.
A criação destes perfis está tão intricada na sociedade
atual que ouvimos falar, por exemplo, do perfil do aluno à saída do ensino; do
perfil dos professores para ocuparem um determinado lugar numa escola; do
perfil de um gestor/ administrador para determinada empresa.
O problema dos perfis não está nos perfis em si, mas no que
verdadeiramente queremos ou como o implementamos. Por exemplo, o perfil do
aluno à saída da escolaridade cria um modelo ideal de cidadão no fim da
adolescência. Na prática, muitos adultos de meia idade e com experiência de
vida não desempenham de forma satisfatória aquilo que se pede aos jovens de
hoje no fim da sua escolaridade obrigatória. Mas, por incrível que pareça, o
que se exige à escola no seu processo de tomar conta de crianças, está a deixar
alunos chegar ao fim da escolaridade a lerem e interpretarem cada vez pior, com
mais dificuldades no raciocínio lógico-abstrato e com um sentimento de
impunidade e desresponsabilização com níveis verdadeiramente assustadores. Mas
o perfil até nem está mal.
Outro exemplo é a escolha de certos professores para certos
lugares em certas escolas, querendo-se ignorar dois factos incontornáveis: a
nota de formação (que certifica os conhecimentos e a competência científica) e
o tempo de serviço (que certifica a experiência – muitas vezes feita em
inúmeras escolas diferentes, com grupos de alunos diferentes, com objetivos
diferentes e contextos socioeconómicos diferentes). É certo que cada professor
é único e que alguns têm sucesso nuns contextos e insucesso noutros (e eu sei
do que falo por experiência própria). Como definir esse perfil?
Há depois os gestores públicos (e os assessores políticos).
Escolhidos para certas e determinadas empresas por terem o “perfil”. E depois,
descobre-se, que afinal de contas “aquele” indivíduo veio da empresa A para a
B, tendo saído da C depois de ter passado pela D e pela E. Um currículo
inquestionável de experiência em empresas top.
O que ninguém consegue explicar, depois, são os maus resultados de algumas
dessas mesmas empresas enquanto “aquele” gestor por lá passou, ou, mais
pertinente, como é que conseguiu, sem experiência e sem currículo, o primeiro lugar
na empresa E. Mistérios…
Os perfis são, assim, dúbios. Por um lado podem ser usados,
e bem, para desenhar um ideal, definir um conjunto de pressupostos que vão
ajudar a encontrar alguém com a melhor capacidade de concretizar uma
determinada tarefa. Por outro podem ser usados, e mal, para definir uma lista
de atributos que, coincidência das coincidências, só se conseguem aplicar a uma
determinada pessoa, mesmo que objetivamente não seja a mais capaz de
desempenhar a função. Mas tem o perfil.
Os perfis não são o problema. O problema é a finalidade com
que são definidos.
E por falar em perfis: como será o perfil para escolher os
reis de carnaval? Serão perfis à governo socialista: primo, genro, irmão, filha?
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