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quarta-feira, 15 de maio de 2024

À Pata Aias

Crónica no Pataias à Letra, edição nº 40, maio 2024 


A ilha


“É preciso sair da ilha para ver a ilha”. 

A frase está no livro “O conto da ilha desconhecida”, de José Saramago, que conta a história de um homem (que representa muitos) que luta contra as convenções em busca dos seus sonhos e de si próprio.

Isto vem a propósito de há alguns dias, pelo meio das notícias, uma reportagem sobre a “Prescrição Social” e os seus benefícios. E o que é a prescrição social? De uma forma simplista, os profissionais de saúde compreenderam que alguns dos estados de saúde física e emocional dos seus doentes não necessitam de medicamentos, mas de convivência social e em vez de receitarem comprimidos, aconselham atividades ao ar livre, frequência de espaços, novas aprendizagens e convívio social. Em resumo, retiram as pessoas de casa e colocam-nas em contacto com outras. Com consequências benéficas no bem-estar das pessoas.

Está a fazer 10 anos que alguém decidiu propor a criação de uma Universidade Sénior em Pataias. A grande conquista deste espaço nesta década de existência foram as pessoas que a frequentam. Não porque são mais de uma centena de alunos ou três dezenas de professores.

A conquista são as próprias pessoas. Para quem ali está desde há muito, sabe que muitos dos alunos apresentam-se como os mesmos, apenas com mais alguns anos. Mas são outras pessoas, porque saíram do isolamento social e familiar em que se encontravam, porque as suas mazelas de saúde e problemas familiares – continuando a existir – não ocupam permanentemente o seu pensamento, porque descobriram que são capazes de fazer e aprender coisas novas, porque quando começaram a pensar no fim da sua vida descobriram mundos novos, viram reconhecidos os seus conhecimentos e experiência de vida e, pasme-se (!), até descobriram novas formas de pensar. E capacidade de se integrarem e interagirem na sociedade de hoje.

Como alguém por ali diz “Pessoas felizes fazem famílias felizes”. É essa a grande conquista da Universidade Sénior. Quando agora se fala da Prescrição Social e dos seus efeitos, esta é uma realidade que se observa há bem mais de meia década aqui em Pataias. São vários os exemplos de pessoas ou dos seus familiares que procuram a Universidade Sénior como forma, como terapia, de alívio das mazelas da vida. Este é o grande impacto da instituição que de tão grande (como o céu), passa despercebido.

Mas há onze anos uma outra iniciativa também foi (quase) pioneira: a biblioteca de verão, na praia de Paredes da Vitória. Nos seus onze anos de funcionamento este espaço transformou-se uma referência da praia, não só para os veraneantes como para profissionais que por ali passam e que voltando no ano a seguir, confessam ter copiado “uma ideia ou duas” do que ali se faz. Repetidamente. Especialmente tendo em consideração os recursos (in)existentes. 

A sensação que tenho é que por ser cultura, social e para idosos, nem sempre se reconhece o que é feito. O que noutros locais é apontado inovação e exemplo, na Universidade Sénior e na Biblioteca de Pataias é (há muito tempo) só mais um dia de trabalho.

Isto a propósito de Saramago: “É preciso sair da ilha para ver a ilha”. Ou vir da Letónia.


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