"Não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas, para que não suceda de que eles as pisem com os pés e que, voltando-se contra vós, vos dilacerem."
Bíblia, Novo Testamento, Livro de Mateus, Capítulo 7, versículo 6.
É usual atribuir como significado à expressão “dar pérolas aos porcos” o facto de se dar algo de valor a quem não o aprecia, não o compreende ou não o merece.
Vem isto a propósito dos eventos previstos em Pataias para o próximo dia 29.
Primeiro facto.
Durante anos, há mais de vinte, as Assembleias de Freguesia de Pataias primaram pela ausência de público. A discussão dos interesses da freguesia e das suas populações foram deixadas a “meia dúzia” de pessoas que, quase sempre, decidiram de acordo com os interesses ou orientações do(s) presidente(s) da Junta. Um fórum de discussão do interesse público por excelência limitou-se, com honrosas mas raras exceções, a ser o local de ratificação e aprovação dos desígnios do(s) executivo(s).
Na última Assembleia de Freguesia, agora da União de Freguesias de Pataias e Martingança, uma dezena de pessoas estiveram entre o público, tendo quatro ou cinco tomado da palavra e apontado problemas, levantado questões, solicitando esclarecimentos e até apresentando projetos (por escrito).
Nunca me lembro de tal coisa, de tanta participação.
Segundo facto.
Com exceção dos primeiros anos da Casa da Cultura de Pataias e de algumas iniciativas muito pontuais e avulsas, nunca teve Pataias qualquer tipo de iniciativa cultural.
No último ano e meio, e muito graças a um pequeno grupo de pessoas, Pataias oferece pela primeira vez um espaço cultural, sob a responsabilidade final da Junta da União de Freguesias de Pataias e Martingança. O trabalho feito pelo Espaço Cultural/ Biblioteca, com todas as limitações ao nível das instalações, recursos materiais e, principalmente, recursos humanos, tem proporcionado à população um conjunto de atividades e de eventos culturais inéditos na história da freguesia.
O primeiro ciclo de conferências/ tertúlias “saber à terça”, cujo objetivo é falar de Pataias, da sua história e tradições, da sua atualidade e apontar os caminhos a seguir, é talvez a iniciativa mais inédita e meritória de todas. Paralelamente, outras iniciativas, palestras e conferências, das mais diversas temáticas, têm sido feitas. Paulatinamente, e a custo, o público tem sido conquistado.
Terceiro facto.
Sabe-se, há muito, que em Pataias é “cada um por si” e que “quem não está comigo, está contra mim”, nomeadamente no que concerne ao trabalho desenvolvido nas diversas coletividades da freguesia. Não raras vezes, a falta de comunicação e de informação leva a que eventos coincidam nas datas ou se repitam, perdendo todo o efeito aglutinador e potenciador que cada uma das iniciativas, por si só, teria.
Há ainda o velho “hábito” de falar na esquina do café, de peito feito e voz alta (hoje em dia substituído pelas redes sociais e pelo facebook), sem que, chegada a “hora da verdade”, essas mesmas vozes se assumam e se cheguem à frente para concretizar o que anunciam e reclamam.
É por estas razões que, por vezes, me é difícil entender certas e determinadas coisas. Neste caso, a coincidência temporal, da Junta e Assembleia de Freguesia terem marcado para o mesmo dia e para a mesma hora dois eventos que apelam à participação e à presença da população: uma assembleia de freguesia e uma tertúlia sobre o 25 de abril, ou melhor, sobre as alterações na freguesia nos últimos 40 anos, tendo como base a atualidade e a realidade anterior ao 25 de Abril. Quando foi a própria Junta, há muitos meses, que aprovou o calendário das tertúlias.
E não deixa de ser irónico.
Quando se assinalam os 40 anos do 25 de abril, da liberdade e da participação cívica da população na decisão dos interesses da sua comunidade, de uma cajadada esvaziam-se estes dois objetivos: ou se esvazia o significado do 25 de abril que trouxe voz ao povo, ou se esvazia a Assembleia, onde o povo pode ter voz.
Com sorte, as duas coisas.
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