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quinta-feira, 24 de abril de 2014

Dar pérolas aos porcos

"Não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas, para que não suceda de que eles as pisem com os pés e que, voltando-se contra vós, vos dilacerem."
Bíblia, Novo Testamento, Livro de Mateus, Capítulo 7, versículo 6.

É usual atribuir como significado à expressão “dar pérolas aos porcos” o facto de se dar algo de valor a quem não o aprecia, não o compreende ou não o merece.
Vem isto a propósito dos eventos previstos em Pataias  para o próximo dia 29.

Primeiro facto. 
Durante anos, há mais de vinte, as Assembleias de Freguesia de Pataias primaram pela ausência de público. A discussão dos interesses da freguesia e das suas populações foram deixadas a “meia dúzia” de pessoas que, quase sempre, decidiram de acordo com os interesses ou orientações do(s) presidente(s) da Junta. Um fórum de discussão do interesse público por excelência limitou-se, com honrosas mas raras exceções, a ser o local de ratificação e aprovação dos desígnios do(s) executivo(s).
Na última Assembleia de Freguesia, agora da União de Freguesias de Pataias e Martingança, uma dezena de pessoas estiveram entre o público, tendo quatro ou cinco tomado da palavra e apontado problemas, levantado questões, solicitando esclarecimentos e até apresentando projetos (por escrito).
Nunca me lembro de tal coisa, de tanta participação.

Segundo facto.
Com exceção dos primeiros anos da Casa da Cultura de Pataias e de algumas iniciativas muito pontuais e avulsas, nunca teve Pataias qualquer tipo de iniciativa cultural.
No último ano e meio, e muito graças a um pequeno grupo de pessoas, Pataias oferece pela primeira vez um espaço cultural, sob a responsabilidade final da Junta da União de Freguesias de Pataias e Martingança. O trabalho feito pelo Espaço Cultural/ Biblioteca, com todas as limitações ao nível das instalações, recursos materiais e, principalmente, recursos humanos, tem proporcionado à população um conjunto de atividades e de eventos culturais inéditos na história da freguesia. 
O primeiro ciclo de conferências/ tertúlias “saber à terça”, cujo objetivo é falar de Pataias, da sua história e tradições, da sua atualidade e apontar os caminhos a seguir, é talvez a iniciativa mais inédita e meritória de todas. Paralelamente, outras iniciativas, palestras e conferências, das mais diversas temáticas, têm sido feitas. Paulatinamente, e a custo, o público tem sido conquistado.

Terceiro facto.
Sabe-se, há muito, que em Pataias é “cada um por si” e que “quem não está comigo, está contra mim”, nomeadamente no que concerne ao trabalho desenvolvido nas diversas coletividades da freguesia. Não raras vezes, a falta de comunicação e de informação leva a que eventos coincidam nas datas ou se repitam, perdendo todo o efeito aglutinador e potenciador que cada uma das iniciativas, por si só, teria.
Há ainda o velho “hábito” de falar na esquina do café, de peito feito e voz alta (hoje em dia substituído pelas redes sociais e pelo facebook), sem que, chegada a “hora da verdade”, essas mesmas vozes se assumam e se cheguem à frente para concretizar o que anunciam e reclamam.

É por estas razões que, por vezes, me é difícil entender certas e determinadas coisas. Neste caso, a coincidência temporal, da Junta e Assembleia de Freguesia terem marcado para o mesmo dia e para a mesma hora dois eventos que apelam à participação e à presença da população: uma assembleia de freguesia e uma tertúlia sobre o 25 de abril, ou melhor, sobre as alterações na freguesia nos últimos 40 anos, tendo como base a atualidade e a realidade anterior ao 25 de Abril. Quando foi a própria Junta, há muitos meses, que aprovou o calendário das tertúlias.
E não deixa de ser irónico.
Quando se assinalam os 40 anos do 25 de abril, da liberdade e da participação cívica da população na decisão dos interesses da sua comunidade, de uma cajadada esvaziam-se estes dois objetivos: ou se esvazia o significado do 25 de abril que trouxe voz ao povo, ou se esvazia a Assembleia, onde o povo pode ter voz. 

Com sorte, as duas coisas.

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