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sábado, 19 de abril de 2014

Propriedade dos terrenos à beira-mar

A notícia está hoje na edição on-line do jornal i
http://www.ionline.pt/artigos/portugal/maioria-deixa-cair-obrigacao-prova-proprietarios-junto-ao-mar/pag/-1

Maioria deixa cair obrigação de prova para proprietários junto ao mar

PSD e CDS concertaram com governo alteração que retira "guilhotina do tempo" aos proprietários privados

O prazo para que se faça prova de propriedade na orla costeira termina no fim de Junho, mas a maioria PSD e CDS entregou na Assembleia da República uma alteração à lei que visa retirar essa obrigação.
O projecto tem nome complexo - estabelece a titularidade dos recursos hídricos - mas mais não faz do que regular as questões de propriedade na zona costeira e não só. Em 1864, através de um Decreto régio, os leitos, margens de água do mar e de águas navegáveis e flutuáveis passaram a propriedade pública. Em 2005 decidiu-se que quando o decreto de D. Luís fizesse 150 anos (em Janeiro deste ano), todos os privados com terrenos nessas zonas teriam de ter apresentado prova de que eram proprietários antes de 1864, de forma a manter os seus bens. O mesmo para os proprietários de parcelas em arribas, mas neste caso o decreto régio data de 1868.
No final do ano passado, o prazo foi adiado para Junho e, agora, a maioria vai propor que esta obrigação de apresentar prova caia por terra. A exigência só se coloca em caso de confronto. A alteração com que a maioria agora avança estabelece que "compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade" de parcelas nessas zonas, "cabendo ao Ministério Público, quando esteja em causa a defesa de interesses colectivos" contestar as acções.
A obrigação de prova "estava a criar grandes constrangimentos" aos proprietários, diz ao i Pedro do Ó Ramos. O deputado do PSD argumenta que "o ónus da prova é difícil nestes casos", quando está em causa documentação com mais de 150 anos. E assim, acrescenta, "não há a guilhotina do tempo". De acordo com os dados mais recentes da Agência Portuguesa do Ambiente, um terço da orla costeira nacional (280 km entre Viana do Castelo e Vila Real de Santo António) é propriedade privada.
No texto do projecto de lei, a maioria diz mesmo que "a exigência de prova de propriedade privada" em prazos específicos "pode revelar-se, em certos casos, excessiva". Sobretudo quando se trata de "terrenos situados em zonas urbanas consolidadas", "fora de zona de risco". É nas águas sujeitas a "jurisdição marítima" que a maioria diz estarem mais expostas as questões de "segurança de pessoas e bens e da protecção da natureza e do ambiente", às quais se dirige esta lei. Por isso, a maioria ainda pretende cingir o âmbito de aplicação da lei à "zona de domínio público marítimo", explica também o deputado do PSD: "Estamos a restringir a lei à zona costeira."
Estes são as duas principais alterações desta iniciativa conjunta do PSD e do CDS que foi concertada com o governo, via Ministério do Ambiente. O projecto de lei será debatido em plenário na próxima quinta-feira, num agendamento em que o PSD escolheu como tema a "reforma do Ordenamento do Território e Titularidade dos Recursos Hídricos".

E ainda o artigo de 1 de março, também no jornal i
http://www.ionline.pt/artigos/dinheiro/prova-propriedade-junto-ao-mar-gera-caos-entope-tribunais

Prova de propriedade junto ao mar gera caos e entope tribunais

Perto de 30% da faixa litoral é de particulares. Mas pode ficar nas mãos do Estado se não houver prova patrimonial recuada a meados de 1800

Os privados com património até 50 metros da linha da água do mar vão ter de provar que são os legítimos donos desses bens sob pena de os perderem a favor do Estado. O Ministério Público já pediu 30 pareceres à APA - Agência Portuguesa do Ambiente e há mais de 100 processos a correr em tribunal. O pior está para vir.
A prova tem de ser feita em tribunal até ao dia 1 de Julho e aquilo que pode parecer simples à primeira vista está a tornar-se uma verdadeira dor de cabeça. Tudo porque a lei exige que o titular demonstre que o património é privado desde 1864 ou 1968, dependendo dos casos. A dificuldade começa logo aqui, já que os registos prediais recuam apenas até às décadas de 40 ou de 50.
"Isto requer uma reconstituição factual que é dificílima e passa por notários, arquivos dos tribunais, contratos de compra e venda, vários locais e épocas históricas", disse ao i o advogado Jorge da Silva Sampaio, especialista nas áreas de Ambiente, Urbanismo e Imobiliário e de Público, na Sérvulo & Associados.
Foi este o motivo que levou o governo a prorrogar o prazo, que terminava a Dezembro de 2013, por mais seis meses. Os efeitos práticos de não conseguir provar a titularidade podem ser graves: "O Estado pode impor a desocupação dos prédios situados em domínio público hídrico, ordenar a demolição das construções e ou a reposição dos prédios na situação anterior à sua ocupação ou, se possível, proceder à cobrança de taxas pela sua utilização privativa", explica Jorge da Silva Sampaio.
A Sérvulo & Associados tem vários clientes nesta condição, muitas vezes com mais de um processo, incluindo na Madeira. O problema afecta situações tão diversas como a de particulares com casas junto à praia, proprietários de cafés e restaurantes ou de herdades junto ao rio, como acontece no Vale do Sado e no Vale do Tejo, até empresas donas de aldeamentos turísticos. E é transversal a todo o país.
Por vezes, a ajuda dos advogados não é suficiente e é preciso recorrer a historiadores, mais habituados a investigar o passado. Alguns, a trabalhar em câmaras municipais, já não estão a aceitar casos, tal é a procura. Noutras alturas, são os próprios advogados que contratam gabinetes especializados neste tipo de consultoria.
João Bernardo Galvão Teles, um dos três sócios da LMT - Abreu Loureiro, Correia de Matos e Galvão Teles, constituída há dois anos por três historiadores, conta que têm "dezenas largas de casos de norte a sul do país e, diz-nos a experiência, não há uma situação padrão". Dependendo da sua complexidade, um processo pode levar dois a três meses, mas a taxa de êxito desta empresa é de 90%. "É como encontrar uma agulha num palheiro". Quando a propriedade em causa se manteve na mesma família ao longo de gerações as coisas são mais fáceis. O pior é quando houve, além de heranças, divisões, vendas, alterações. Ou quando os documentos não estão onde deviam estar. Galvão Teles lembra-se de um caso em que a informação não estava tratada e os dados necessários estavam perdidos no sótão de um tribunal. Apesar disso, este responsável acredita que "a relação custo/benefício é quase sempre boa".
Mas nem sempre. Carla Bernardino foi apanhada de surpresa. Os sogros têm duas casas na Ericeira, uma na primeira linha do mar, outra na segunda linha. Decidiram vender uma delas e descobriram que não era possível. Só quando uma manhã deparou com uma notícia no jornal ficou a saber porquê. Foi no final do ano passado e, desde então, a família já gastou mais de 3000 euros. Formada em matemáticas, pensou que seria fácil tomar o assunto pelas próprias mãos, mas rapidamente desistiu da ideia e percebeu que "neste processo nada é racional".
Carla Bernardino diz que houve má-fé por parte do Estado. Lembra que os proprietários não foram informados desta lei e acredita que muitos estão a leste e nem sequer sabem que têm de ir a tribunal fazer prova do que quer que seja. Outros, "pessoas já com uma certa idade, nem sequer têm meios".
Quando telefonou para a APA para obter mais informações, Carla Bernardino ficou a saber que, só na Ericeira, existem cerca de 400 casas na mesma situação. O processo dos sogros, marido e irmãos dará agora entrada em tribunal, "mas estamos sempre um pouco dependentes do entendimento do juiz, porque é preciso ver que em todos estes anos a Ericeira modificou-se muito, mesmo os nomes de ruas, os números das portas" diz. E a advogada já preveniu a família para se preparar para não poder vender a casa nos próximos três a quatro anos.
Sobre a lei da Titularidade dos Recursos Hídricos, o conselho de administração da APA disse ao i que "presentemente está em curso uma iniciativa com vista à alteração deste diploma". No entanto, não explicou quais as mudanças previstas, nem para quando.
Mas o instituto público está consciente do problema, tanto assim que adiantou que "foram contabilizados até ao momento cerca de 30 pedidos de parecer do Ministério Público à APA desde o final do ano passado".
A APA apenas tem intervenção nas referidas acções quando é chamada a colaborar com o Ministério Público ou, menos frequentemente, quando é demandada como ré. Isto significa que não está a par de todos os processos. Ainda assim, a agência confirmou ter conhecimento de 70 acções a decorrer em tribunal. O i tem conhecimento de mais de 100.
De acordo com números da APA, actualmente já tiveram reconhecimento como propriedade privada, ou por sentença judicial ou por auto de delimitação, 500 autos - apenas quanto à faixa litoral (excluindo estuários, rias e sistemas lagunares) -, estimando-se que os respectivos traçados das poligonais de delimitação rondem os 280 km de extensão, correspondendo a cerca de 30% do comprimento da linha de costa do território de Portugal Continental (987 km).

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