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domingo, 1 de abril de 2012

O Padre José Ribeiro de Sousa

A intervenção do genealogista Humberto de Sousa Santos, na apresentação do livro “Mina do Azeche – Património à beira-mar esquecido”. Onde se fala do Padre José Ribeiro de Sousa e dos seus descendentes, José Cupertino Ribeiro Júnior e… Valter Ribeiro, por coincidência, os dois únicos deputados à Assembleia da República nascidos em Pataias.

É de enaltecer o presente trabalho de investigação feito pelo jovem Tiago Inácio, traduzido no livro que hoje aqui tem o seu lançamento. Presentemente, não é vulgar achar-se pessoa tão jovem, interessada no passado histórico da sua freguesia. Apesar da sua ainda pouca experiência, conseguiu finalizar um trabalho notável, cujo conteúdo esteve guardado até agora nos arquivos da Torre do Tombo, ficando a dever-se-lhe o mérito, de nos dar a conhecer um pouco da história sobre este património há muito tempo esquecido, através do presente livro agora editado.
Não é fácil fazer qualquer investigação, quando não se têm ou não se encontram à mão os documentos necessários para a concretizar, e os que se acham, é necessários trabalhá-los, analisá-los e compilá-los, de forma que os dados obtidos possam ser transmitidos ao leitor, de uma forma clara e perceptível. Acho que isto foi conseguido minimamente pelo Tiago, merecendo por isso o nosso aplauso. Contudo, isto não significa que sobre a Mina do Azeche e principalmente sobre a povoação, esteja tudo dito e investigado. No domínio da antropologia, existe um filão por explorar, relativamente não só a este local, como aos locais circundantes, os quais no passado, estiveram intimamente ligados, através dos deus habitantes. Locais como Água de Madeiros, Polvoeira, Valfurado, Feligueira, Valeirão, Vale do Pardo, Águas Lixosas, Légua, Falca e principalmente Paredes, têm história e histórias ainda por conhecer. É de lamentar que até agora, pouco ou nada se tenha escrito sobre a nossa Freguesia, com excepção feita ao Roteiro Cultural da Região de Alcobaça, editado em 2001, com um capítulo sobre os fornos de cal. Esperamos que esta iniciativa do Tiago sirva de incentivo para que surjam num futuro próximo, novos projetos literários, sobre esta freguesia.
Quando o Tiago me contactou para vir aqui dizer algo sobre o seu trabalho, e lembrando-me da pouca informação que lhe prestei, quando ele fazia a investigação, escolhi falar sobre a personagem referida no livro, do Padre José Ribeiro.
 
O Padre José Ribeiro de Sousa, que assim se chamava, era o Regedor de Pataias, na altura da descoberta do “azéche” pelo Marques da Bemposta Sub-Serra, num local ao sul de Paredes, cujo sítio primeiramente se veio a designar pelo 2canto do azéche”, devido à substância ali encontrada. Após o pedido feito pelo referidos marquês ao Governo Civil de Leiria, para que autorizasse a exploração, o Regedor de Pataias, julgando que poderia haver uma usurpação dos terrenos por parte do Marquês, intentou judicialmente impedir a sua exploração, defendendo que os terrenos onde se descobriram as minas, eram baldios pertencentes ao povo de Pataias, usados nas pastagens do gado caprino. Acabou por ser um esforço inglório do Padre José Ribeiro, não conseguindo evitar que o Governo Civil de Leiria e a Câmara de Alcobaça, dessem autorização para a exploração das minas, sendo obrigado a desistir do processo que havia interposto, logo após ter sido passado o alvará de exploração de 27 de Março de 1844. Os receios do Padre estão bem visíveis no documento de sessão da Câmara de Alcobaça, onde se registou e demarcou, a área que as minas poderiam abranger, desde toda a área da freguesia de Pataias até chegar à Maiorga. Significava isto, a entrega gratuita de uma vasta área de terreno, ao referido Marquês da Bemposta, o que o Padre José Ribeiro pretendia impedir a todo o custo. No entanto, a exploração não passou do canto do Azéche, ficando para a história, a origem da povoação posteriormente chamada Mina do Azeche, a partir do momento de abertura das minas.
Quanto à figura do Padre José Ribeiro de Sousa, deixo aqui um pequeno resumo do seu trajecto, que acho extremamente interessante: era natural de Pataias, nascido a 10 de Janeiro de 1779, filho de Clemente de Sousa e de Escolástica Maria Ribeira, também naturais de Pataias, sendo mãe oriunda de família muito religiosa, e da qual há registo de vários padres a saber:  padre Manuel Ribeiro (1700-1750), padre António Ribeiro (1740-1790) e o padre António José Ribeiro (1780-1830), sendo este último, tio materno de José Ribeiro e todos eles naturais e moradores em Pataias. Depois de ter sido padre, constituiu uma numerosa família, a exemplo de qualquer comum cidadão.
Depois de frequentar o Seminário de Leiria, onde obteve o grau de clérigo minóribus, ou clérigo menor, por volta de 1799/1800, aparece pela primeira vez em 1800, mencionado com aquela graduação. O período seguinte, que corresponde a cerca de seis anos de atividade eclesiástica, que suponho ter sido como auxiliar do Padre Cura da Paróquia, em atos de celebração de missas, cujo período termina num contratempo, que viria a ditar a morte da sua carreira eclesiástica. Este contratempo surgido, fruto de uma amor proibido, devido à sua condição de padre, levou-o ao casamento obrigatório, feito na capela da Mélvoa, longe das más línguas, a 14 de Janeiro de 1807, provavelmente dentro do maior sigilo, sendo a noiva, de nome Teotónia Maria, natural de Pataias, e já grávida de largos meses, a qual no dia seguinte, viria a ter o filho no Sítio da nazaré, que seria batizado uma semana depois, na Igreja de Nª Srª das Areias na Pederneira, com o nome de Joaquim. Nesse registo de baptismo é referenciada a morada dos pais no Sítio da Nazaré, sendo padrinho da criança, o padre Arcénio José de Oliveira Pulla, e madrinha Nª Srª da Nazareth. Este Arcénio Pulla, era na altura Pároco do Santuário de Nª Srª da Nazareth. Nota-se que houve aqui alguma cobertura por parte das entidades eclesiásticas, de forma a evitar o conhecimento dos factos, os quais não vinham em abono da integridade dos padres.
Este acontecimento deve ter caído como uma desgraça no seio da referida família religiosa, pois os pais eram tão religiosos, que até possuíam um oratório dentro da sua própria casa, onde faziam as suas orações, sem precisarem de se deslocar à igreja. Chegaria assim ao fim, uma curta carreira religiosa como padre, depois dos pais e tios terem investido tanto nesse objetivo, de tal forma que chegaram a fazer-lhe doações, com o fim de engrandecer o seu património, para poder usufruir dele em prole da sua carreira eclesiástica. Ficou viúvo no ano de 1827, então com 48 anos, e com 7 filhos menores, tendo o filho mais velho 17 anos e o mais novo apenas três. Veio a falecer a 14 de Junho de 1866 com 87 anos de idade, sendo referenciado no registo de óbito, como sacerdote e presbítero secular. Apesar de deixar de exercer a profissão de padre, em 1807, ficou para sempre conhecido por “padre José Ribeiro”
Foi pai de 9 filhos, e viria a ter dois netos que alcançaram bastante notoriedade: eram irmãos, um chamado João de Cupertino Ribeiro, médico neurologista que atingiu grande prestígio em Lisboa, onde residiu; foi o primeiro médico, natural de Pataias. O seu irmão, José de Cupertino Ribeiro, tendo seguido a carreira política, tornou-se deputado da Assembleia da República pelo círculo de Alcobaça, onde era residente, mudando-se então para Lisboa por volta do ano de 1912.
 
É curioso verificarmos que um século depois, um seu tetraneto, é deputado da Assembleia da República e atual presidente da Junta de Freguesia de Pataias, o senhor Valter Ribeiro.
 
Por último, há que assinalar ainda um facto importante ligado à Mina do Azeche: por ironia do destino, uma filha do Padre José Ribeiro, viria a casar com Ventura de Figueiredo, trabalhador da mina e natural de Quiaios. Ali fixaram residência, onde lhes nasceram 7 filhos, entre 1849 e 1863. A mãe dos filhos chamava-se Maria da Conceição Ribeiro ou Maria do Patrocínio Ribeiro, a qual veio a falecer na Mina, no ano de 1880, com 58 anos. Treze anos depois, falecia na Légua, o seu marido, provavelmente em casa de um filho que ali morava, contava então 76 anos. Este casal contribuiu assim para o povoamento, não só da Mina do Azeche, como mais tarde e através dos seus filhos, os lugares de feligueira, Falca, Légua e Paredes. Dos 8 filhos que tiveram, quatro ficaram residentes por estas paragens.
Concluindo, o lugar de hoje da Mina do Azeche, deve a sua origem unicamente à existência das areias betuminosas ali descobertas, no ano de 1843. Obrigado.

Pataias, 31 de Março de 2012
Humberto de Sousa Santos

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