Turíbio Machado, antigo presidente da Junta de Freguesia de Pataias, falou ao Região de Cister para o seu caderno especial sobre Pataias, que acompanha a edição nº858 do jornal, saído ontem para a rua.
Uma entrevista esclarecida e esclarecedora, de leitura obrigatória.
Faz uma leitura pertinente daquelas que têm sido as relações entre Pataias e Alcobaça.
E que recorda o nome de alguém, esquecido por muitos, que não tendo nascido em Pataias, é sem dúvida um dos seus filhos mais ilustres: Emídio de Sousa.
Os sublinhados a vermelho são da minha responsabilidade.
Turíbio Machado, autor e antigo presidente da junta de pataias
Perfil
Turíbio da Encarnação Machado, de 62 anos, foi presidente da Junta de Pataias, no mandato autárquico entre 1982-85, eleito como independente nas listas do PS. Foi a única experiência autárquica e política, finda a qual se afastou, manifestando-se “desiludido” com a forma como funcionam a política e as máquinas partidárias. “Cansei-me de andar a lutar contra moinhos de vento”, justifica.
Figura respeitada pela população local, começou a trabalhar aos 10 anos e assegura que teve muitas profissões ao longo da vida. Foi barbeiro, escriturário, guarda-livros e Técnico Oficial de Contas, que exerceu até 2009. Sempre ligado à sua terra, fez parte da Direcção de várias associações culturais, entre as quais a Casa da Cultura e o “Jornal de Pataias”. Há oito anos lançou um livro, de título “Deserdados”, retratando a década de 60 na freguesia. Actualmente, para espanto de muitos, dado ser um sexagenário, é estudante de Arqueologia e História na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, cidade onde passa a maior parte do tempo. A vida de estudante impõe-lhe que permaneça em Coimbra a semana inteira, regressando à vila apenas aos fins-de-semana. Esta alteração na sua rotina levou-o a afastar-se, ainda mais, da vida da sua terra.
“Servimos para dar receitas à Câmara mas pouco recebemos”
É muito crítico em relação ao que tem sido o papel da Câmara de Alcobaça no desenvolvimento daquela que é a sua freguesia, Pataias. Turíbio Machado, que foi presidente da Junta na década de 80, até escreveu um romance, num misto de humor e drama, que decorre em cenários da freguesia. Hoje em dia, assume-se como observador da vida da vila e aconselha a “uma maior união em nome dos interesses da terra”.
REGIÃO DE CISTER (RC) > Como era Pataias quando foi presidente da Junta?
TURÍBIO MACHADO (TM) > Economicamente, estava bem nessa altura. Havia uma actividade empresarial diversificada. Socialmente, penso que as pessoas estavam razoavelmente bem. Na época, o País passava por uma grave crise económica e havia, a nível governamental, aquela necessidade de os portugueses ‘apertarem o cinto’. Mário Soares tentava resolver os problemas da economia. Na Junta, padeci um bocado com isso, porque não havia verbas disponíveis para avançar com projectos que considerava, então, fundamentais. A somar a isso, tive a fatalidade de encontrar uma Câmara de Alcobaça que, por razões políticas, não investia nesta freguesia. A prioridade do executivo era, e sempre foi, o investimento em São Martinho do Porto.
RC > Quais foram, na época, as suas prioridades e os principais projectos?
TM > Uma das prioridades foi o abastecimento de água a Pataias, vinda das Paredes. Era uma água de qualidade e esse abastecimento ainda se mantém nos dias de hoje. Foi, também, inaugurado o parque de campismo da praia das Paredes, que era uma necessidade e hoje está em funcionamento, com bons rendimentos.
RC > Quantos habitantes tinha, então, a freguesia?
TM > Devia ter à volta de oito a dez mil habitantes porque também tínhamos a Moita e a Martingança. Mas apesar de sermos a freguesia mais populosa do concelho, nunca fomos tratados com o respeito que merecíamos.
RC > Há oito anos lançou um livro, que intitulou de ‘Deserdados’. É um retrato da freguesia?
TM > Em parte, sim. É um romance, um misto de humor e drama. A história passa-se na freguesia, nos lugares limítrofes, e retrata a forma de viver na época desde o final da segunda guerra mundial até à década de 60. A primeira edição, de 500 exemplares, foi muito bem aceite e tenho andado para fazer uma segunda edição. Mas ainda não tive oportunidade.
RC > E porque escolheu o título ‘Deserdados’?
TM > Porque a história desta freguesia conta-nos que a população sempre teve que se desenrascar sozinha. Nunca houve interesse de entidades ou governantes, Santa Casa da Misericórdia, e sobretudo da Câmara, em olhar para esta terra. Mas foi pena porque havia pessoas muito carenciadas que nunca foram ajudadas. Sempre servimos para dar receitas à Câmara mas pouco recebemos em troca. O título do meu livro, ‘Deserdados’, reflecte um pouco isso.
RC > Continua a acompanhar a vida de Pataias?
TM > Ultimamente, já nem tanto. Houve várias situações que me foram desgostando, ao longo dos anos, e acabei por me ir afastando um pouco. E também não vejo, da parte do povo, um interesse pela política local, nem empenho na resolução dos problemas da terra. Mas vou observando...
RC > E há questões que o preocupem mais?
TM > Há algumas situações que não me agradam muito. As piscinas foram construídas devido à venda de um terreno à Cibra, terreno esse que foi o ganha-pão de muita gente e durante muitos anos. Era desse terreno que era extraída a pedra para os fornos da cal, indústria muito antiga na freguesia. Lamentavelmente, vejo lá inscrito o nome de piscinas municipais, quando, ao que me consta, a Câmara nada lá gastou. O dinheiro foi proveniente daquilo que era nosso. Logo, se eu fosse presidente da Junta, não permitiria que alguém colocasse ali o ‘municipal’. É por questões como esta que prefiro alhear-me do que se passa. Outra das minhas desilusões é o parque de campismo. Eu empenhei-me e esperava ver o projecto desenvolvido, com bungalows, restaurantes e outras soluções de qualidade. E hoje vejo, com desgosto, que as barracas dos Mijaretes, lamentavelmente, se passaram para dentro do parque.
RC > Mas, apesar de tudo, continua a acompanhar o progresso da freguesia. O crescimento tem correspondido às expectativas que tinha?
TM > Até determinada altura, houve um crescimento grande. Mas de há algum tempo a esta parte, com a crise, as coisas regrediram e não tem havido grande desenvolvimento em Pataias. Muitas empresas fecharam, infelizmente. Já fomos uma referência, a nível nacional, na indústria do mobiliário, mas as coisas decaíram drasticamente. E se calhar foi porque os empresários não souberam unir-se, nem criar uma estratégia no sentido de obter apoios estatais, de forma a desenvolver o sector.
RC > E os equipamentos e as respostas sociais que existem actualmente... Satisfazem-no?
TM > A nível de saúde, por exemplo, o Centro de Saúde deixa muito a desejar. E na Cultura, somos carentes. Tivemos uma Casa da Cultura e um Jornal de Pataias. Tive o privilégio de estar na Direcção de ambos e acho que fizemos um bom trabalho. Havia uma pessoa, o Emídio de Sousa, que foi notável na luta pela defesa da Cultura nesta terra. Fizemos colóquios, concertos, espectáculos, criámos um grupo musical e um Rancho Folclórico... Hoje, não resta nada.
RC > Como é que vê o futuro de Pataias?
TM > Gostaria que fosse um futuro risonho. Gostava de ver mais união em defesa dos interesses da terra e menos divisões em nome da política.
Para sugestões, comentários, críticas e afins: sapinhogelasio@gmail.com
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
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Não sou natural de Pataias, e aqui cheguei sendo um pré-adolescente. Mas o meio onde convivia em Pataias não facilitou que me integrasse na população local. Demorei algum tempo a sentir as alterações que a vida foi impondo nesta Vila (naquela altura ainda não tinha recebido este grau) e verificar que muitas pessoas eram muito mais acessíveis e interessantes do que anteriormente, desde atrás de uma reserva sem sentido, os via. Conhecia poucas pessoas, entre elas o Joaquim Gordo e os Bagagem, o Matreiro, o pessoal dos fornos, o tio Rola do cemitério; o Padre Franquelim, a família Tereso, os Vaz Pereira, este Amigo Turíbio, o alfaiate. Ao todo poucos mais de uma dúzia, e destes alguns sem profundidade. Mas em todos eles sempre encontrei boas caras, boa disposição e excelente atenção. Em conjunto tenho boas recordações.
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