Numa época de profunda crise de valores, a democracia e a legitimidade democrática são hoje cada vez mais questionados. A profunda desconfiança face à classe política e às suas ações estão de tal forma enraizadas que é comum ouvir “falar mal” dos políticos, culpando-os por tudo de mal que acontece. Não deixa de ter um pequeno fundo de verdade.
Mas os grandes culpados somos nós, eleitores, que continuamos a não exigir aos nossos representantes que assumam os seus cargos e que decidam, mesmo quando decidir implica dificuldade e impopularidade.
Vem isto a propósito da reforma territorial e administrativa do concelho de Alcobaça. E há gostos para tudo, exceto para a agregação.
A Troika é comummente acusada de ser a responsável por esta reforma territorial. Não podemos esquecer que a Troika entrou no nosso país depois de 30 anos de desgovernos socialistas e sociais-democratas que desmantelaram a economia nacional (ou alguém esquece que Cavaco Silva vendeu as medidas protecionistas à nossa agricultura, indústria e pescas por alguns milhões de euros – e agora vem-se queixar que destruímos esses setores de atividade) ou que 30 anos de sucessivos défices trariam forçosamente uma pesada fatura. Somos ainda responsáveis por não pressionar os nossos representantes políticos de forma a encontrarem soluções para uma redução dos preços nos serviços básicos (água, eletricidade, combustíveis, comunicações), por não cortarem nas rendas excessivas das tão queridas (dos políticos) parcerias público-privadas; por permitirem uma destruição do Estado Social sem que antes definam o que efetivamente querem do mesmo (e da população, já agora). Estes são só alguns exemplos.
Voltando à Troika e à reforma territorial. Esta era uma necessidade de há muitos anos que a tradição municipalista e autárquica do nosso país adiou. A verdade é que há 30 anos ouço estes mesmos autarcas que agora se insurgem contra a agregação, a desfiarem um rosário de queixas relativas às faltas de meios financeiros, técnicos e humanos para resolverem os problemas das suas freguesias. Das dificuldades que diariamente enfrentam por gerirem autarquias tão pequenas, sem quaisquer meios.
Dário Moleiro, em representação da freguesia de Pataias, na última Assembleia Municipal, e sempre com uma atitude muito prudente de «não me comprometam», disse aquilo que ninguém teve a ousadia de dizer: esta reforma autárquica foi muito mal explicada. Por outras palavras, e na minha interpretação pessoal, houve neste tema da reforma territorial um discurso incendiário de «extinção de freguesias», «encerramento de portas», «perda de democracia», «silenciar as populações», «abandono», «ostracização», «esquecimento», de rebaixar a identidade própria dos lugares e das freguesias, como se alguém lhe quisesse mal. Sinceramente, não me parece que fosse esse o espírito da lei.
É claro que quando olhamos para freguesias centenárias como Alpedriz (que foi sede de concelho) ou para freguesias jovens e dinâmicas como a Martingança (aquela que mais cresceu em termos demográficos nos últimos 10 anos), percebem-se todos os argumentos de recusa. Por exemplo, a Martingança é freguesia apenas há 27 anos. Os homens, e a população, que lutaram arduamente por esse sonho e que o concretizaram, imagino que seja como que a morte de um filho. Quem os pode julgar por se insurgirem contra a agregação da freguesia, contra aquilo que consideram ser a morte do seu filho?
Mas há que ter uma visão mais abrangente. E a realidade é que uma gestão racional do Concelho de Alcobaça não comporta quase duas dezenas de freguesias, algumas com menos de 2000 habitantes. E numa análise distanciada, tecnocrática, prática e objetivada em alguns números (como aquelas análises que são feitas em gabinetes distantes), a freguesia da Martingança (mas não só) parece um enclave (nada me move contra a freguesia da Martingança. É apenas um - bom - exemplo).
Uma vez mais, lembro-me de conversas nos últimos 30 anos, em que coisas foram ditas, como por exemplo, que “o Casalinho devia pertencer à Maiorga”; “a Boavista devia ser da freguesia de Alcobaça”; “não faz sentido Aljubarrota estar dividida em duas”; “a Vestiaria é parte integrante da cidade de Alcobaça”; “a Moita e a Martingança nunca deviam ter deixado Pataias”; “o Bárrio e a Cela deviam estar juntos”; “o Vimeiro devia era juntar-se com Évora ou com Turquel”. Estes comentários valem o que valem, mas não deixam de transmitir a ideia de que a organização territorial do concelho de Alcobaça não é a melhor. E esta foi a oportunidade, desaproveitada, de construir um município melhor.
Os nossos autarcas têm referido sempre que não foram mandatados pela população para a extinção das freguesias. Mas foram mandatados pelos seus munícipes e pelos seus fregueses de defenderem, da melhor forma possível, as suas freguesias e os seus interesses. Mesmo quando implica tomar medidas impopulares.
E é neste ponto que se deve questionar a ação dos nossos representantes, neste caso, a Assembleia Municipal. Na defesa das suas freguesias, num pacto velado de não agressão e de silêncios comprometidos, optaram por não apresentar propostas para a diminuição, em número, de 4 freguesias. A lei obriga agora, e propõe, 5 freguesias. A Assembleia Municipal decidiu, novamente, não se pronunciar, alegando o respeito pela vontade das populações. Ninguém quis decidir, ninguém se quis comprometer. Mas se a Lei não for declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional e se avançar, se as agregações de freguesias propostas, ou outras, avançarem, quem defendeu os interesses das freguesias?
Quem defendeu os interesses da Martingança, numa agregação forçada com Pataias? E será que a Martingança quer ir mesmo para a Marinha Grande, ou será um ato de desesperada sobrevivência?
Quem defende o município de Alcobaça por uma eventual saída da Martingança (a freguesia com maior dinamismo demográfico e inquestionável dinamismo económico)?
A saída da Martingança do concelho impede a diminuição de 5 freguesias?
Quem defendeu a Vestiaria numa agregação com Alcobaça?
Quem defendeu Pataias, numa agregação com Alpedriz, Montes e, eventualmente, Martingança? Será que essa agregação é do melhor interesse de Pataias?
Quem defendeu as freguesias forçadas a agregarem-se umas com as outras?
Era responsabilidade, e dever, da Assembleia Municipal (mas também das Assembleias de Freguesia) apresentar alternativas. Nunca o fez. Decidiu, à boa maneira portuguesa, esconder a cabeça na areia e empurrar o problema para a frente.
Se a lei se concretizar, e se a agregação das freguesias acontecer, quem defendeu os verdadeiros interesses das populações?
Aqueles que disseram que não, mas que não apresentaram alternativas?
Aqueles que disseram que não, mas que apresentaram alternativas?
Aqueles que concordaram com tudo aquilo que os outros disseram?
Aqueles que disseram aceitar as decisões dos outros?
Aqueles que nada disseram?
De quem será a responsabilidade de agregações forçadas? Dos políticos da Assembleia da República, ou dos políticos da Assembleia Municipal de Alcobaça, que podendo apresentar alternativas nunca o fizeram?
O que me parece a mim é que esta não decisão foi a pior forma de defender os interesses da população do concelho e de algumas das suas freguesias. Mas ficaram todos “bem” na fotografia…
Curiosamente, a atual proposta da Unidade Técnica coincide com uma posição inicial da Câmara sobre o assunto. Outra curiosidade é que a “polémica” das agregações estendeu-se quase e só às freguesias do norte do concelho. Coincidências?
Para sugestões, comentários, críticas e afins: sapinhogelasio@gmail.com
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